segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A MOÇA TECELÃ


Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás
das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear. Linha clara,
para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ía
passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade
da manhã desenhava o horizonte. Depois lãs mais vivas, quentes
lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a
moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão
mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia
um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido.
Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as
folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus
belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a
natureza. Assim, jogando a lançadeira de um lado para o outro
e batendo os grandes pentes do tear para frente e para
trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com
cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto
para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite
que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio
de escuridão, dormia tranquila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se
sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom
ter um marido ao lado. Não esperou o dia seguinte. Com
capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a
entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia.
E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto
barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente
acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos,
quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o
chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida. Aquela noite,
deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que
teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha
pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto
o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas
todas que ele poderia lhe dar.

_ Uma casa melhor é necessária _ disse para a mulher. E
parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse
as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os
batentes, e pressa para a casa acontecer.

Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
_ Para que ter casa, se podemos ter palácio! _ exclamou.
Imediatamente ordenou que fosse de pedra com
arremates em prata.

"Marina Colasanti"

Um comentário:

xistosa, josé torres disse...

Tecer uma vida num tear caseiro é árdua tarefa.
O tecelão e a tecedeira necessitam de trabalhar juntos para tecer algo.
E crescer pouco a pouco e lentamente.
A ambição faz perder muita gente.